Luto é uma palavra que costuma ser reservada aos humanos.
Mas dentro de casa, na rotina silenciosa dos gatos, ele aparece de outros jeitos: no canto que vira refúgio, na tigela que fica cheia, no miado que não existia antes, na busca por algo que não volta.
Sim, gatos podem viver um processo de luto.
Não como nós. Não com nossas palavras.
Mas com mudanças de comportamento, corpo, rotina e vínculo.
Gatos criam vínculos. E vínculos deixam marcas.
Durante muito tempo, a ciência interpretou gatos como animais independentes, quase impermeáveis emocionalmente. Isso mudou.
Eles formam vínculos fortes com outros gatos, outros animais e humanos, vínculos do tipo que, quando rompidos, geram mudanças mensuráveis.
Um estudo com mais de 400 tutores identificou que a perda de um animal de convívio gerou mudanças de comportamento em mais de 58% dos gatos avaliados.
Fonte: University of Milan — Survey on Companion Animal Bereavement (2024) publicada em Scientific Reports / divulgada pelo The Guardian.
Essas mudanças não são simples “estranhamentos”. São respostas fisiológicas e comportamentais parecidas com o que mamíferos sociais apresentam ao perder membros do grupo.
Como identificar os sinais do luto?
Os pesquisadores classificam algumas mudanças recorrentes:
– Mudanças de apetite
Alguns gatos passam a comer menos; outros comem mais, como forma de autorregulação.
Fonte: 2024 University of Milan Pet Bereavement Survey.
– Alterações no sono
Dormir muito, dormir pouco, trocar o lugar onde dormem.
Fonte: Estudo de revisão sobre luto não reconhecido em animais — Frontiers in Veterinary Science, 2025.
– Busca ativa pelo animal que partiu
Investigar locais onde o outro gato costumava ficar, cheirar objetos, vagar pela casa à noite.
Fonte: Observações etológicas citadas em Companion Animal Behaviour (2023).
– Mudanças sociais
Ficar mais carente, mais vocal ou, ao contrário, evitar contato.
Fonte: “Changes in Attachment Behaviors in Bereaved Cats”, Applied Animal Behaviour Science (2022).
O luto silencioso: quando a dor não é reconhecida
Existe um conceito chamado luto não reconhecido (disenfranchised grief).
É o luto que existe, mas não ganha espaço, porque os outros ao redor não o validam.
Isso acontece com humanos que perdem animais. E acontece com animais que perdem outros animais.
O que pesquisadores afirmam é que a falta de reconhecimento da dor, por parte dos tutores, pode intensificar o estresse do gato, porque ele não recebe suporte ambiental ou emocional adequado.
Fonte: Bowin-Rubin et al., Frontiers in Veterinary Science (2025).
É como se o comportamento dele fosse “mal interpretado” como “birra”, “manha”, “estranheza”. E a dor fica ali, sem nome.
Perda entre gatos x perda de humanos: existe diferença?
Gatos criam vínculos específicos com humanos que se assemelham ao apego seguro descrito em crianças.
Pesquisadores analisaram gatos que perderam seus humanos e encontraram mudanças parecidas com ansiedade de separação: vocalização excessiva, busca, hipervigilância e alteração de rotinas. Fonte: “Feline Attachment Patterns and Human Loss”, Oregon State University (2021).
Quando o tutor morre, é comum o gato:
- Sair em busca pela casa
- Voltar para lugares onde costumavam ficar juntos
- Alterar padrões alimentares
- Apresentar letargia ou inquietação
A intensidade da perda depende da vida que foi compartilhada
Um dos principais achados do estudo de 2024 é que a intensidade das mudanças tem relação direta com o nível de interação que os dois gatos tinham.
Se conviviam pouco, dormiam separados, não brincavam juntos → impacto menor.
Se dormiam juntos, se acompanhavam → impacto maior.
A força do vínculo prediz a força da reação pós-perda.
Fonte: University of Milan Pet Bereavement Survey (2024).
Isso explica por que algumas pessoas dizem “meu gato não sentiu nada quando o outro partiu”, enquanto outras veem uma mudança profunda. Cada vínculo é um mundo. Assim como acontece com a gente
E quando há mais de um gato em casa? O efeito dominó
Em casas com três, quatro, cinco gatos, a perda de um animal altera a estrutura social inteira.
Não só pelo afeto, mas pela hierarquia, pelas rotinas, pelos turnos compartilhados de vigilância e descanso.
Fonte: Barry & MacDonald, “Feline Group Dynamics in Multi-cat Households”, Journal of Feline Medicine and Surgery (2020).
Às vezes, o gato com comportamento mais silencioso é o que sente mais. Às vezes, o gato que parecia distante era o mais dependente do convívio físico do outro.
O que podemos fazer (com cuidado e sem promessas fáceis)
1. Preservar a rotina
Rotina é ancoragem emocional.
Para gatos, é segurança.
2. Não forçar interações
Se ele está mais isolado, respeite.
Forçar contato pode aumentar o estresse.
3. Criar zonas de conforto
Casinhas, prateleiras, cobertas.
Ambientes pequenos e fechados são reconfortantes.
4. Estimular, mas só até onde ele der conta
Brincadeiras leves, estímulos suaves.
Nada de hiperestimulação.
5. Observar sem expectativa
Cada gato reage de um jeito.
Luto não tem a ver com “desempenho”.
6. Buscar ajuda profissional quando necessário
Se o gato perde peso, para de comer, grita de madrugada, se automutila ou apresenta sinais físicos, é hora de consultar o veterinário comportamental.
A pergunta que todo tutor faz: devo adotar outro gato agora?
Não existe resposta universal.
Os estudos sugerem:
- Adotar imediatamente pode aumentar o estresse.
- A introdução gradual só deve ser feita quando o gato que ficou já estabilizou o comportamento após a perda.
- Alguns gatos se beneficiam da presença de outro; outros pioram.
Fonte: “Feline Stress Indicators During New Cat Introductions”, Applied Animal Behaviour Science (2020).
A pressa é o inimigo aqui.
O que aprendemos com o luto felino sobre nós mesmos
Observar um gato em luto é observar o que há de mais silencioso na vida.
A ausência acontecendo no detalhe: na troca de olhares inexistentes, no lugar vazio da cama, no ritual interrompido antes da refeição.
Eles nos ensinam que:
- vínculo é comportamento
- dor pode ser discreta
- constância é cuidado
- presença é linguagem
Se você perdeu um gato e está vivendo algo assim, nosso convite é para que aceite o que o luto apresentar para você e para seus outros gatos, é um momento de muita transformação e aprendizado. É difícil atravessar esse período, se for preciso peça ajuda para terapeutas especializados.
No nosso podcast, falamos sobre morte e luto no Episódio 5, ouça, reflita e se quiser trocar nos mande uma mensagem!
A vida segue, vamos em frente com amor e sabedoria.